quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Arte de pentear e amar

Oh desgraçado leitor, Bento tinha razão, pois só que penteou ou teve seu cabelo penteado sabe a sensação doce e milagrosa que este pequeno gesto proporciona, e Bento poderia apostar que Capitu desejou ser penteada por todos os séculos dos séculos... Saudades do meu Bento e de seus dedos emaranhados em meus cabelos, hoje entendo porque demorrou tanto a penteá-los, suponho que pretendia com eles envolver o infinito por um número inominável de vezes.....

Nina

"Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tacto aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa..."
(Machado de Assis)

Nenhum comentário: