"Não pode haver em mim nem maquiagem, nem dissimulação, e jamais se percebe em meu rosto as aparências de um sentimento que não esteja em meu coração. "
Sobre a loucura:
Quanto mais se é louco, mais se é feliz. Apenas a Loucura conserva a juventude e afugenta a importuna velhice. Quanto mais o homem se afasta de mim, menos goza a vida. Dona Natureza, genitora e criadora do gênero humano, tem o cuidado de em tudo deixar uma pitada de loucura. A Fortuna gosta das pessoas irrefletidas, das temerárias, daquelas que dizem habitualmente: “A sorte está lançada.”
A Sabedoria torna tímidas as pessoas; encontrareis em toda parte sábios na pobreza, na fome e na miséria. Os loucos, ao contrário,nadam em dinheiro, tomam o leme do Estado e, em pouco tempo, são florescentes em todos os pontos. Só os loucos têm o privilégio de dizer a verdade que não ofende. A mulher: Juntar a mulher ao homem, seria, realmente, dizia eu, (criar) um animal delicioso, louco e insensato. Em vão a mulher veste a máscara, continua sempre mulher, ou seja, louca. É este dom da loucura que lhes permite ser, em muitos aspectos, mais felizes que os homens. Aliás, que mais procuram elas nesta vida, senão agradar o mais possível aos homens.
O amor e a paixão: O que distingue o louco do sábio é que o primeiro é guiado pelas paixões, o segundo, pela razão. Existem paixões que ajudam os pilotos experientes a ganharem os portos. Quem não fugiria de um homem desses, fechado a todos os sentimentos, incapaz de uma emoção, alheio ao amor e à piedade? O amante apaixonado já não vive em si, mas inteirinho no objeto amado; quanto mais sai de si mesmo para se fundir neste objeto, mais se sente feliz. E quanto mais perfeito é o amor, mais forte e delicioso é seu tresvario. A vida: Se a vida permanecesse triste, não se chamaria vida. Quanto menos motivos tem o homem de prender-se a ela, mais a ela se agarra. Que importa, aliás, que morra, aquele que jamais viveu?
A felicidade consiste essencialmente em querer-se ser o que é. O santo a quem tu rezas te protegerá, se tua vida se parecer com a dele. Dirão que é uma infelicidade ser enganado. Bem maior infelicidade é não o ser. É um enorme erro fazer a felicidade basear-se na realidade. Há uns que são ricos apenas de esperanças; seus sonhos agradáveis bastam para torná-los felizes. Nenhum bem satisfaz se não for compartilhado. As ciências e os sábios: As Ciências irromperam na humanidade com o resto dos seus flagelos.
O homem é o mais calamitoso dos animais, porque todos aceitam viver nos limites de sua natureza, ao passo que ele é o único que se esforça por superá-la. Eis porque Deus, quando criou o mundo, proibiu provar o fruto da árvore da Ciência, como se a Ciência fosse o veneno da felicidade.
O louco fala loucuras; os sábios, pelo contrário, têm duas línguas: uma para dizer a verdade, outra para dizer o que é oportuno. A pior das faltas de habilidade é ser sábio fora de hora. Tipos humanos: Os gramáticos enchem a cabeça das crianças com puras extravagâncias. Qual a necessidade da gramática, já que a língua é a mesma para todos e a única utilidade da palavra é fazer-se entender? Como se fosse motivo de guerra tirar uma conjunção do domínio dos advérbios. Alguns atores estão no palco representando seus papéis; alguém tenta tirar-lhes a máscara. Destruída a ilusão, toda a obra se estraga. Os poetas formam uma raça independente, constantemente aplicada em seduzir os ouvidos dos loucos com ninharias e fábulas completamente ridículas. Da mesma farinha são os escritores, que aspiram à fama imortal com a publicação de seus livros...O supra-sumo é cumularem-se de elogios recíprocos em epístolas e peças em versos. O escritor, sob meus auspícios, desfruta um feliz delírio, e sem fadiga deixa fluir de sua pena tudo o que lhe passa pela cabeça, sabendo, aliás, que quanto mais fúteis forem suas futilidades, mais aplausos recolherá. Sempre é o mais inepto que encontra mais admiradores. Os jurisconsultos reclamam o primeiro posto (da loucura), pois não existe ninguém mais vaidoso – amontoam textos de leis sobre um assunto sem a mínima importância. Depois deles vêm os filósofos e se declaram os únicos sábios, vendo no resto da humanidade umas sombras flutuantes. Os teólogos. A erudição de todas (suas escolas) é tão complicada que os próprios apóstolos necessitariam receber um outro Espírito Santo para discutir tais assuntos com esses teólogos de um novo gênero. Os monges. O que ambicionam não é se assemelharem a Cristo, mas se diferenciarem um do outro.
ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Abril Cultural, 1973
Estou lendo, todo advogado e louco deveria fazer o mesmo.
Estou lendo, todo advogado e louco deveria fazer o mesmo.
Perfeitooooooooooo
Um comentário:
Nai
Tu é uma das pessoas mais verdadeiras que eu conheço, talvez pelo fato de você externar tudo que sente.
Bjos
Ricardo
Postar um comentário